sábado, 17 de abril de 2021

À beira do cais

Imagino eu, como é difícil para as pessoas entenderem os sentimentos alheios. Sentir, como li há uns anos atrás em algum lugar, é uma conjugação inerente ao ser humano. O grande problema está justamente em ser humano. As artérias me consomem por dentro a cada dia e meus olhos me enganam todas as manhãs quando olho no espelho. A alma segue adiante enquanto meu corpo se petrifica, como se tivesse olhado diretamente para Medusa. Todas as manhãs são de desesperos, nos plurais que a mim cabem.

O sol que, paulatinamente, invade meu quarto, poderia ser um alívio do meu pesar, mas meu pensar é outro. Outro dia se faz assim: o desespero dilacera a alma viva e vive no desespero de minha alma. Há barulhos ensurdecedores que só eu escuto e silêncios amedrontadores que percorrem minha corrente sanguínea. Como eu me sinto? À beira de um cais.

Todas as manhãs, quando eu sinto, eu me vejo caminhando. É uma construção de madeira, já meio envelhecida pela luta inconstante da água salgada com os raios solares. Em alguns lugares, quando piso, escuto gritos que ecoam no mar e em mim. O mar está agitado, assim como eu. Eu caminho. Sigo no caminho até a ponta, até o fim. Eu sigo. Ouço gritos que também vem do mar, que misturam com os do caminho e os meus. Os gritos se entrelaçam, se embrulham e eu sigo. Chego na ponta e avisto o mar.

O mar é agitado. Suas águas estão inconformadas e se revoltam contra as pedras. As ondas brigam entre si. Algumas querem ficar em silêncio, mas são convocadas para a discussão. Cada vez mais agitado, o mar grita. Tão alto que me encobre e me joga na discussão.

Essa briga é minha, mas não tenho forças, por isso, lentamente, sou jogado entre as ondas de discussão. Por isso, brutalmente, sou jogado entre as rochas mais resistentes. Devaneio entre aquilo que sou e queria ser. Dilui em mim pensamentos e aflições. Sono, sossego, desassossego e solidão. Estou boiando, flutuando entre as marés. Olho para o cais.

Lá estou eu parado. Parado e olhando pro mar. Olhando pra mim. Quem sou eu? Aquele que olha para o desespero ou aquele que está no desespero?

Enfim, o sol rasga meus olhos e volto ao quarto. O sol, meu pesar, já me queima e seca o desespero, informando que está na hora de ouvir outros barulhos e outros silêncios. A alma, em desespero e dilacerada, agora queima. Como me sinto? Sinto meu corpo no quarto, queimando pelo sol, enquanto minha alma está à beira de um cais, levemente desesperada e sem reação.

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