segunda-feira, 12 de julho de 2021

Antes aqui

 Antes aqui, mas hoje já não sei. O termo é estranheza. Como é estranho estar estranho e perceber que a estranheza é peculiar. Peculiar ao ponto de não saber explicar e ter que sentir aquilo que você não sabe o que é. Não chega a ser apavorante, mas mete um certo pavor.

Antes aqui, mas hoje já não sei, pois o termo estranheza mete um certo pavor que não sei explicar, sendo peculiar perceber a dificuldade em explicar. Só sei que sinto. Sentir é estranho. Não chega a ser amedrontador, mas dá um certo medo.

Antes aqui, mas hoje não sei, pois o medo faz parte dessa estranheza peculiar que não sei explicar, mas sei sentir. Sentir faz parte do antes e do hoje, mas agora já não sei.

sexta-feira, 30 de abril de 2021

Amanhã

Nem sempre eu consigo compreender o funcionamento do relógio. Nunca repararam que os tics não conversam com os tocs? Vai ver o problema é que eu tenho algum tic nervoso com isso, ou tenha mesmo TOC. A questão é: o relógio não marca hora, ele apenas conta. E nessa contagem infinita, cada pessoa conta como quer. Ou ele só marca e as pessoas contam?

Hoje mesmo, acordei por volta das seis e meia da manhã e só levantei às oito e meia. Para mim, contei meia horinha, porque quando digo no diminutivo, nem meia hora de verdade foi. Para o relógio, foram duas horas; mas para uma pessoa que me mandou mensagem enraivecida no WhatsApp a espera foi longa.

Em tempos pandêmicos, as horas já não valiam nada; agora, em Pandemia, eles valem menos. Vou me retratar. Em tempos pandêmicos, as horas eram poucos; agora, em Pandemia, elas são menores ainda, não para todos. Considerando que a semana tem sete dias e cada dia vinte e quatro horas, tenho que dividir minhas cento e sessenta e oito horas entre meus afazeres.

Semana passa mesmo, marquem isso, tive cerca de dez reuniões entre trabalho e estudos - afinal, não se pode ter vida social. Cada reunião durou, em média, duas horas, o que totalizariam cerca vinte horas. Ou seja, tenho apenas 148 horas restantes. Como as reuniões não compreendem o período de trabalho, em si, retiro as quarenta horas semanais que dedico ao trabalho, diminuindo o tempo que tenho para 108 horas. Por baixo - e bem por baixo -, trabalho em casa mais algumas horas, cerca de quarenta. Agora, restaram 68 horas. Meu tempo de estudo e estudo das coisas do trabalho somam-se mais quarenta, o que reduz para 28 horas meu tempo restante. Ufa! Que alívio que sobraram 28 horas para comer, beber, ir ao banheiro e, se der tempo, tomar banho e dormir.

Olha como meu TOC afeta meu tic e meu relógio analógico, que só contava tics e tocs deve ser trocado por um digital, afinal, é pelo relógio digital que marcam meu tempo, pois, mesmo na tecnologia, todo relógio continua a contar os seus tics tocs, que não se alteram.

Amanhã... bem, amanhã pretendo esquecer de carregar meu relógio e ficar um pouco analógico. Lógico que isso não vai funcionar muito, mas pelo menos poderei viver uns minutos de utopia do tempo.

quarta-feira, 21 de abril de 2021

A vida nos permite muito mais do que a morte

Estávamos em um lugar onde ninguém conhecia ninguém. É comum que as pessoas sejam superficiais, tanto nesse lugar quanto em outros. Na verdade, a sociedade se tornou muito dispensável, tal qual ela está. O fato é que as pessoas se preocupam mais com o que elas querem saber, com o que elas precisam saber, com o que elas... enfim... se preocupam com elas. Nesse lugar, as pessoas aparecem e somem. Perguntam como estão por conveniência, sua idade, onde mora, às vezes, e mudam a conversa. Não com você, mas mudam a conversa para outra e você não está mais incluído.

Em um desses momentos raros de que ainda vale a pena apostar na sociedade, uma pessoa surge. Não estava bem! Mas nessa vida, quem está bem? Estava em crise. Uma crise que a acometia por não saber o que fazer. Ouvi. Tentei, mas na verdade, eu falei.

Ela precisava saber o que fazia com algo que tinha feito e não tinha dito pra ninguém. Eu precisava dizer sobre algo que sentia que não tinha dito sobre o sentimento pra ninguém. Ela falou. Eu falei. Eu falei. Eu falava e meus sentimentos afloravam. Ela falou. Eu falei, falei tanto que eu sentia meus momentos dilacerando meu corpo. Falamos de morte.

Ela questionou sobre a morte. Eu questionei sobre a morte. A morte era algo complexo para nós e para uma amiga dela, que entrou no assunto - não na conversa. A morte é um assunto complexo. Queria eu dizer que nunca pensei em morrer, mas eu não podia. Queria eu dizer que pessoas próximas morreram e eu não sei lidar com isso até hoje, mas não consigo. Falamos da vida.

A vida não nos ensina que errar é normal e acertar é anormal. Passamos a vida toda errando para acertar e somos julgados pelos erros. Ninguém nos ensina a viver, mas nos cobram como viver. Ninguém ensina que cometer erros é necessário, mas a sociedade ensina que é necessário acertar. A morte é consequência de uma das tentativas de acertar, embora seja um erro fatal. O único erro que falam pra gente é esse: morrer é errado. Já parou para pensar que ninguém ensina que viver é certo? Falamos de viver.

No fim, foi preciso dizer que precisamos ser humanos e não seres humanos, como nos livros. Acho que esse seja o problema da sociedade, ensinam sobre seres humanos nos livros escolares, mas não na vida. Esquecem de nos dizer o principal: a vida nos permite muito mais do que a morte e não o contrário.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Há alguém do outro lado?

Ela estava ali, me encarando e me dizendo que eu não era ninguém. Na verdade, há mais de um ano que ela me dizia isso. Fui para no hospital no ano passado, mas nunca imaginei que isso poderia ter contribuído. Até por que, no início, entre tantos acontecimentos, não achei que ela me faria mau. Sempre gostei dela. Na verdade, amava. Amo. Só que ela mudou muito.

Quando a conheci, meio que não dei moral. Ignorei um pouco, mas eu era muito novo. Depois, fomos nos conhecendo mais. Mais e mais. Até que eu não resisti e me rendi. Sempre a quis, só não sabia. Ao longo dos tempo, fomos mudando. Era instigante ver como ela e eu amadurecemos, tanto juntos quanto separados. Não éramos só nós, pois compartilhávamos de muita coisa. O silêncio era na medida certa, as vozes na dose correta e os ruídos eram para dar aquele fervor na nossa relação. Era bom estar com ela.

Há um ano isso mudou. Ela se virou contra mim. Ela me dopou. Fiquei dependente dela para tudo. Não vivo sem ela, não trabalho sem ela, não estudo sem ela e ela sabe disso. Como fui parar nessa situação? Seu rosto, que era tão singelo e singular, se tornou um martírio. Ela não tem o mesmo rosto, na verdade, ela não tem rosto. Ela, quando fala, já não fala com a mesma voz. Seu rosto e sua voz não respondem ao que pergunto. Há alguém me ouvindo? Me pergunto! Há alguém do outro lado? Me questiono.

Ela mudou. Seu rosto é desconhecido há um ano. Não sei quem está do outro lado. Sua voz é desconhecida há um ano. Não sei quem fala do outro lado. Seus rostos e suas vozes ora me causam estranheza ora me levam à loucura ora nem eu sei o que fazer.

Ela estava ali, me encarando e me dizendo que eu não era ninguém. Eu sei que ela ainda me vê, talvez só tenha se perdido há mais de um ano, quando tudo começou. No início, eu não dei moral, até dormi quando ela falava comigo. Eu tinha apenas 10 anos quando a conheci. Foi a primeira tela que eu me lembro. Depois me apaixonei. Ela era meu refúgio e, agora, é meu desabrigo. Eu me projetei no desalento de estar visível quando, na verdade, ninguém me vê.

sábado, 17 de abril de 2021

À beira do cais

Imagino eu, como é difícil para as pessoas entenderem os sentimentos alheios. Sentir, como li há uns anos atrás em algum lugar, é uma conjugação inerente ao ser humano. O grande problema está justamente em ser humano. As artérias me consomem por dentro a cada dia e meus olhos me enganam todas as manhãs quando olho no espelho. A alma segue adiante enquanto meu corpo se petrifica, como se tivesse olhado diretamente para Medusa. Todas as manhãs são de desesperos, nos plurais que a mim cabem.

O sol que, paulatinamente, invade meu quarto, poderia ser um alívio do meu pesar, mas meu pensar é outro. Outro dia se faz assim: o desespero dilacera a alma viva e vive no desespero de minha alma. Há barulhos ensurdecedores que só eu escuto e silêncios amedrontadores que percorrem minha corrente sanguínea. Como eu me sinto? À beira de um cais.

Todas as manhãs, quando eu sinto, eu me vejo caminhando. É uma construção de madeira, já meio envelhecida pela luta inconstante da água salgada com os raios solares. Em alguns lugares, quando piso, escuto gritos que ecoam no mar e em mim. O mar está agitado, assim como eu. Eu caminho. Sigo no caminho até a ponta, até o fim. Eu sigo. Ouço gritos que também vem do mar, que misturam com os do caminho e os meus. Os gritos se entrelaçam, se embrulham e eu sigo. Chego na ponta e avisto o mar.

O mar é agitado. Suas águas estão inconformadas e se revoltam contra as pedras. As ondas brigam entre si. Algumas querem ficar em silêncio, mas são convocadas para a discussão. Cada vez mais agitado, o mar grita. Tão alto que me encobre e me joga na discussão.

Essa briga é minha, mas não tenho forças, por isso, lentamente, sou jogado entre as ondas de discussão. Por isso, brutalmente, sou jogado entre as rochas mais resistentes. Devaneio entre aquilo que sou e queria ser. Dilui em mim pensamentos e aflições. Sono, sossego, desassossego e solidão. Estou boiando, flutuando entre as marés. Olho para o cais.

Lá estou eu parado. Parado e olhando pro mar. Olhando pra mim. Quem sou eu? Aquele que olha para o desespero ou aquele que está no desespero?

Enfim, o sol rasga meus olhos e volto ao quarto. O sol, meu pesar, já me queima e seca o desespero, informando que está na hora de ouvir outros barulhos e outros silêncios. A alma, em desespero e dilacerada, agora queima. Como me sinto? Sinto meu corpo no quarto, queimando pelo sol, enquanto minha alma está à beira de um cais, levemente desesperada e sem reação.